Por Cristina Ruffino. A intimidade do casal propicia múltiplas situações de acolhimento e bem estar, no entanto, essa mesma intimidade pode construir (desavisadamente) um padrão de reações entre o casal que foi chamado de Ciclo de Vulnerabilidade (Scheinkman e Fishbane). A experiência subjetiva de cada um ao longo da vida possibilita a construção de habilidades, competências, recursos e, também, vulnerabilidades diferentes. Isso não é nem bom, nem mau. É a vida construindo pessoas únicas, onde cada um é especial. Vulnerabilidade é algo frente ao qual a pessoa tem uma maior possibilidade de se sentir afetad@ negativamente, acionando reações de defesa, luta, fuga e congelamento. Vulnerabilidade não é algo errado ou inadequado n@ outr@, algo a ser consertado. É o resultado de uma vivência ou vivências que criaram um padrão e que precisa ser conhecido para ser manejado E respeitado. Quando conhecemos nossas vulnerabilidades, não ficamos completamente à mercê das reações que elas disparam. Podemos perceber:
Assim, tomando contato com esse processo, podemos assumir o controle, monitorando nossos pensamentos e ações e pedindo ajuda para quem está ao nosso redor, entendendo-o como colaborador e não como o agressor. Neste ciclo, não tem uma vítima e um vilão, tem duas pessoas machucadas reagindo a algo que lhes parece ameaçador. Perceber, conhecer e nomear este padrão possibilita a mudança de conduta, a negociação e criação de narrativas baseadas na empatia e na conexão. Podendo mover o casal da: Quais são suas vulnerabilidades?
O que d@ outr@ dispara suas vulnerabilidades? Conhecendo isso, quais são seus pedidos ao outro? Leia mais em: Scheinkman e Fishbane. The Vulnerability Cycle: Working With Impasses in Couple Therapy. Family Process, Vol. 43, No. 3, 2004.
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Por Cristina Ruffino. A crônica de Rubem Alves, Tênis e Frescobol, é uma deliciosa metáfora para pensar relações humanas (casais, famílias, equipes, comunidade). A mim gera muitos insights a cada nova leitura, e para vc? Segue a crônica:
"Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?’ Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar”. Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O Império dos Sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra – é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo...’ Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada”. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”. O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro. O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos... A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá... Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra no Primeiros Cadernos, é sobre este jogo de tênis: “Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o ódio. Exemplo: com um sorriso: ‘Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo’. A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima- se dela, beija-lhe a mão suspirando: ‘Tens razão, minha querida’. A situação está salva e o ódio vai aumentando”. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem – cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem sempre. E se deseja então que o outro viva eternamente, para que o jogo nunca tenha fim..." Por Cristina Ruffino. Conversando com casais sobre suas diferenças e similaridades e como isso vem impactando o dia a dia da relação, vejo que muitas vezes estas percepções não se atualizam, eles se referem a diferenças e/ou similaridades de um tempo passado. Assim como, não se atualizam sobre o que cada um faz/pode fazer para ajudar o outro a se sentir melhor na relação considerando as diferenças.
Em geral eles/elas sabem quais são os resultados das ações d@ outr@ que não @s agrada, mas pouco sabem do que fazem que desagrada @ outr@ ou o que gostariam de pedir @ outr@ para se sentirem ajudad@s em um processo de convivência saudável. Algumas perguntas que costumam nos ajudar a refletir e conversar:
Você tem refletido sobre isso? Por Cristina Ruffino. Há uma diferença grande entre fazer uma queixa ou fazer um pedido. O posicionamento em que coloco @ outr@ quando eu me queixo del@ e onde me coloco é totalmente diferente, ainda que eu não tenha a intenção. Quando me queixo, @ posicion@ como:
O que conseguimos com queixas é a reação de defesa d@ outr@, porque, provavelmente el@ se sentirá atacad@ /criticad@ /julgad@. Além disto, a queixa fala do passado: o que @ outr@ fez / não fez. E não diz nada sobre o que eu desejo para o futuro. Se eu transformo a queixa em um pedido, identificando o que eu quero que aconteça, pelo que e colocando para @ outr@ isso de forma afirmativa, ou seja, ao invés de falar o que @ outr@ não fez, diga o que você gostaria que @ outr@ fizesse para ser bom para ambos. Exemplo: Ao invés de:
Com o pedido, eu posiciono @ outr@ como alguém que pode me compreender e que eu acredito que colaborará se puder. Ou seja, pedindo eu demonstro confiança n@ outr@ e na relação. Se @ outr@ não for poder me atender por algum motivo, el@ poderá me dizer. Ao fazer um pedido (e não uma queixa) eu também estarei focando no problema e não na pessoa. Veja a diferença:
Gostaria de observar se frente aos seus descontentamentos você tem levado para @ outr@ suas queixas ou seus pedidos? Obs. Nem sempre você conseguirá, tudo bem, você está em processo. Não desista só porque cometeu erros ou porque vê @ outr@ cometendo. Assuma que estão aprendendo e que haverá deslizes para velhos padrões. Observe, reconheça, respire e tente de novo. Lembre-se que não é pel@ outr@, é por você. Você merece conversas mais leves e mais produtivas. Se ofereça isso. Mãe e Pai ...
1 - Nunca esqueçam: eu sou a criança de vocês dois. Agora, só tenho um pai ou uma mãe com quem eu moro e que me dedica mais tempo. Mas preciso também do outro. 2 - Não me perguntem se eu gosto mais de um ou do outro. Eu gosto de “igual”modo dos dois. Então não critique o outro na minha frente, porque isso dói. 3 - Ajudem-me a manter o contato com aquele com quem não fico sempre. Marque o seu número de telefone para mim, ou escreva-me o seu endereço num envelope. Ajudem-me, no Natal ou no seu aniversário, para poder preparar um presente para o outro. Das minhas fotos, façam sempre uma cópia para o outro. 4 - Conversem como adultos. Mas conversem. E não me usem como mensageiro entre vocês - ainda menos para recados que deixarão o outro triste ou furioso. 5 - Não fiquem tristes quando eu estiver com o outro. Aquele que eu deixo não precisa pensar que não vou mais amá-lo daqui há alguns dias. Eu preferia sempre ficar com vocês dois. Mas não posso dividir-me em dois pedaços - só porque vocês se separaram. 6 - Nunca me privem do tempo que me pertence com o outro. Uma parte de meu tempo é para mim e para a minha Mãe; uma parte de meu tempo é para mim e para o meu Pai. Sejam consequentes aqui. 7 - Não fiquem surpreendidos nem chateados quando eu estiver com o outro e não der noticias. Agora tenho duas casas. E preciso distingui-las bem - senão não sei mais onde fico. 8 - Não me passem ao outro, na porta da casa, como um pacote. Conversem como vocês podem ajudar a facilitar a minha vida. Quando vierem me buscar ou levar de volta, deixe que eu perceba que podem conversar e se respeitar. 9 - Se vocês não puderem suportar o olhar do outro, combinem de me buscarem na casa de avós, na escola ou na casa de amigos. 10 - Não briguem na minha frente. Sejam, ao menos, tão educados entre vocês quanto seriam com outras pessoas, como vocês também exigem de mim. 11 - Não me contem coisas que ainda não posso entender. Conversem sobre isso com outros adultos, mas não comigo. 12 - Deixem-me levar os meus amigos na casa de cada um. Eu desejo que eles possam conhecer a minha Mãe e o meu Pai e achá-los simpáticos. 13 - Concordem sobre o dinheiro. Não desejo que um tenha muito e o outro muito pouco. Tem de ser bom para os dois, assim poderei ficar à vontade com os dois. 14 - Não tentem "comprar-me". De qualquer forma, não consigo “comer todo o chocolate” que eu gostaria. 15 - Falem-me francamente quando não dá para "fechar o orçamento". Para mim, o tempo é bem mais importante que o dinheiro. Divirto-me bem mais com um brinquedo simples e engraçado que com um novo brinquedo. 16 - Não sejam sempre "ativos" comigo. Não tem de ser sempre alguma coisa agitada ou nova quando vocês fazem alguma coisa comigo. Para mim, o melhor é quando somos simplesmente felizes para brincar e que tenhamos um pouco de calma. 17 - Deixem o máximo de coisas idênticas na minha vida, como estava antes da separação. Comecem com o meu quarto, depois com as pequenas coisas que eu fazia sozinho com meu Pai ou com minha Mãe. 18 - Sejam amáveis com os meus outros avós - mesmo que, na sua separação, eles tenham ficado mais do lado do seu próprio filho. Vocês também ficariam do meu lado se eu estivesse com problemas! Não quero perder ainda os meus avós. 19 - Sejam gentis com o novo parceiro que o outro encontrará ou já encontrou. Preciso também me entender com essas outras pessoas. Prefiro quando vocês não se vêem com ciúme. Para mim, será bom quando vocês dois encontrarem alguém que possam amar. Vocês ficariam mais felizes e não ficariam tão chateados um com o outro. 20 - Sejam otimistas. Vocês não conseguiram gerir o casamento de vocês - mas tudo poderá ficar bem novamente. Releiam todos os meus pedidos. Talvez vocês conversem sobre eles. Mas não briguem. Não usem os meus pedidos para censurar o outro, atacando-o pela forma com que fez comigo. Se vocês o fizerem, vocês não terão entendido como eu me sinto e o que preciso para ser feliz. Fonte - Tribunal de Família e Menores de Cochem-Zell/Alemanha Por Cristina Ruffino. Estamos imersos cotidianamente em conversas que possuem propósitos diferentes e conduzem a resultados diferentes. Cada qual serve em determinadas situações e não serve para outras. Um exemplo disto é o que acontece quando estamos em um Debate/Embate ou quando estamos em um Diálogo (distinção feita pela equipe do Public Conversations Project). Nas relações continuadas e cotidianas, raramente o debate/embate nos ajuda. O embate tem como efeito gerar competição, e quando estou em competição o único responsável para fazer dar certo a ideia que ganhar será quem a propôs, o outro se desresponsabiliza, já que não se sentiu ouvido e considerado.
O diálogo, por outro lado, gera cooperação e novas alternativas com senso de autoria e corresponsabilidade de ambos. Todos foram ouvidos e aquela decisão final é resultado da consideração de tudo que foi colocado para ser avaliado, ainda que originalmente a ideia tenha surgido a partir de um deles. Observe-se nas conversas cotidianas e reflita:
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Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2024
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