Como as Telas Afetam o Desenvolvimento das Crianças e a Importância da Leitura. Por Cristina Ruffino. Vivemos em uma era em que as telas estão por toda parte nas nossas vidas. Celulares, tablets, computadores e televisões se tornaram parte das nossas rotinas, inclusive das crianças. No entanto, Michel Desmurget, neurocientista e autor dos livros "A Fábrica de Cretinos Digitais" e "Faça-os Ler", nos alerta sobre os riscos que o excesso de exposição digital pode ter no desenvolvimento dos jovens.
Desmurget argumenta que o uso diário de dispositivos digitais está comprometendo o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças. Mas por que isso acontece? O problema não é apenas o que as crianças consomem nas telas, mas o que elas deixam de fazer por estarem tão imersas nesse mundo digital. Quando uma criança passa horas na frente de uma tela, ela perde oportunidades preciosas de desenvolver habilidades fundamentais. Ela deixa de brincar, de explorar o mundo ao seu redor, de interagir com outras pessoas e, especialmente, de ler. Segundo Desmurget, essa falta de experiências ricas pode afetar drasticamente o desenvolvimento da linguagem, a capacidade de atenção, o pensamento crítico e a empatia. Uma das coisas que deixamos de fazer é ler. A leitura é uma das atividades mais poderosas para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças. A leitura ajuda a expandir o vocabulário, estimula a imaginação e a criatividade e desenvolve a empatia, ao permitir que as crianças entrem em contato com diferentes perspectivas e sentimentos. Mas como fazer as crianças se interessarem pela leitura em um mundo dominado pelas telas? É aqui que entra o papel dos pais e educadores na criação de um ambiente propício à leitura. Desmurget nos lembra que as crianças são influenciadas pelo exemplo. Pais que leem com frequência e que promovem momentos de leitura em casa ajudam a criar uma atmosfera onde os livros são valorizados. Não é fácil competir com a infinidade de estímulos que as telas oferecem. Desenhos coloridos, jogos interativos e vídeos rápidos prendem a atenção das crianças de forma quase hipnótica. No entanto, é essencial entender que a leitura oferece um tipo de estímulo diferente – um que nutre a mente e as emoções a longo prazo. Desmurget enfatiza que não é necessário proibir completamente o uso das telas, mas sim estabelecer limites e incentivar ativamente a leitura. Crianças pequenas, por exemplo, precisam de livros adequados à sua faixa etária, com histórias envolventes e ilustrações que despertem a curiosidade. Conforme crescem, é importante oferecer opções variadas que atendam aos interesses de cada criança, seja aventura, fantasia, mistério ou fatos da vida real. Para incentivar a leitura em casa podemos: 1. Estabelecer uma rotina de leitura Leia para seus filhos, mesmo que eles já saibam ler. Crie um momento especial do dia para a leitura, seja antes de dormir ou após as refeições. Esses momentos se tornarão hábitos que as crianças levarão para a vida adulta. 2. Ser exemplo As crianças aprendem observando os adultos. Quando veem seus pais e familiares lendo, seja um livro, revista ou jornal, elas aprendem que a leitura é uma atividade valiosa. 3. Tornando a leitura divertida Escolha livros com histórias cativantes e personagens interessantes. Use diferentes tons de voz e faça expressões faciais enquanto lê para tornar a experiência ainda mais envolvente. 4. Leve a leitura para o cotidiano Fale sobre as histórias lidas, relacione-as com situações do dia a dia e encoraje as crianças a contarem suas próprias versões das histórias. 5. Crie um ambiente propício Tenha livros acessíveis em casa. Uma estante ou prateleira ao alcance das crianças faz com que elas se sintam à vontade para explorar e escolher o que desejam ler. 6. Limite o tempo de tela Não é sobre proibir, mas sim regular. Regular o tempo e o que se faz nas telas é função dos adultos. Estabeleça horários específicos para o uso de telas e sempre ofereça alternativas, como brincar ao ar livre, desenhar ou ler um livro. A comunidade também tem um papel fundamental na promoção da leitura, de um contexto onde as pessoas se interessam por livros e leituras, nascerão leitores. A leitura não deve ser vista como uma tarefa chata ou obrigatória, mas como uma atividade que pode ser divertida e transformadora. Organizar clubes de leitura, compartilhar histórias e experiências com outros pais e crianças e criar espaços dedicados aos livros são formas de construir uma cultura de leitura que transcenda os limites da casa. Em um mundo cada vez mais digital, fazer escolhas conscientes para o bem-estar e desenvolvimento das crianças é uma tarefa nossa. Como estamos moldando o futuro dos nossos filhos e das próximas gerações? As telas têm o seu lugar, mas a leitura é insubstituível quando se trata de cultivar mentes curiosas, críticas e empáticas. Afinal, ler é muito mais do que decifrar palavras; é descobrir novos mundos e compreender o nosso próprio. Em última instância, me fica a máxima: atenção plena a cada escolha que fazemos (ou não fazemos) para as nossas vidas e dos nossos filhos.
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Por Cristina Ruffino. John Shotter sempre me provoca e desafia. Admito que talvez ainda não o tenha compreendido em toda sua profundidade. Mas, ainda assim, usufruo de cada instante de leitura e uso na vida, no trabalho, no meu autoconhecimento.
Para esse autor, a comunicação transcende a mera troca de informações, enraizando-se profundamente em nossa existência corpórea, emocional e prática. Nossos corpos não são meros veículos de comunicação, mas elementos constitutivos da própria interação. A linguagem e o sentido emergem não apenas das palavras, mas de um engajamento corporal holístico: gestos e expressões faciais; tom de voz e prosódia; postura e movimentos corporais; contato visual e proximidade física A relação dialógica ocorre em um espaço intersubjetivo onde os corpos dos participantes se encontram. Este encontro vai além do cognitivo ou linguístico, criando uma experiência profundamente corporal e situada. Como uma dança, a construção de entendimentos, envolve uma sensibilidade e “escuta” mútua de corpos. Shotter enfatiza a importância de uma sensibilidade aguçada aos sinais corporais e emocionais dos outros. Esta "escuta" atenta de si e do outro é fundamental para: compreensão mútua, construção conjunta de significado e, sobretudo, a criação de "momentos de encontro" As respostas corporais dos interlocutores são parte integral do processo de coconstrução de significado. Reações não verbais, como expressões faciais, movimentos e ritmo da fala, contribuem significativamente para o diálogo. Para além das palavras, elementos paralinguísticos desempenham um papel crucial na comunicação, envolvendo as pausas e silêncios, o ritmo respiratório e o tom de voz. Estes elementos indicam emoções, intenções e o nível de envolvimento na conversa, facilitando a fluidez do diálogo e a construção conjunta de compreensões. Shotter introduz a noção de "conhecimento de dentro" (knowing from within), uma forma de compreensão que emerge da participação direta em práticas sociais e conversacionais. A prosódia, neste contexto, é vista como um fenômeno relacional entre os participantes e parte do “backgraund” que dá sentido às nossas interações, além de ser um elemento fundamental da "responsividade" nas interações Quando leio as ideias de Shotter, destaca-se para mim (em mim) a primazia da afetação nas relações. Primeiro nos afetamos mutuamente a partir de sinais não conscientes (não discerníveis e identificáveis), depois, buscamos explicações cognitivas para estas afetações. Frequentemente, nossas respostas "cognitivas" são tentativas de racionalizar o que não se originou na lógica, mas na experiência corporal e emocional. A compreensão destes aspectos da comunicação tem implicações significativas para diversos campos como terapia, educação, comunicação organizacional. Enfatiza-se a importância de estar atento não apenas ao conteúdo verbal, mas também à forma como é expresso. A visão de Shotter sobre a corporeidade na relação dialógica nos convida a reconsiderar fundamentalmente nossa compreensão da comunicação humana. Reconhecendo o papel central do corpo e dos elementos não verbais, podemos desenvolver interações mais ricas, autênticas e significativas em todos os aspectos de nossas vidas. Por Cristina Ruffino. Há algum tempo, tenho me dedicado a entender as ideias apresentadas no livro de Maurits Kwee, editado pela TAOS Institute e prefaciado por Kenneth Gergen. Esta obra, juntamente com "Horizons in Buddhist Psychology", de co-autoria de Kwee e Gergen, tem sido uma fonte rica de insights e novas curiosidades para meus estudos.
Neste livro, Kwee apresenta uma integração inovadora entre a psicologia ocidental contemporânea e as tradições budistas milenares, com um foco especial em práticas colaborativas e relacionais. O resultado é uma abordagem que não apenas expande nossa compreensão da mente humana, mas também oferece novas ferramentas para o bem-estar psicológico. Ele apresenta o "Budismo Relacional", que é uma abordagem que enfatiza as relações intersubjetivas e a interdependência de todos os fenômenos. Esta perspectiva incorpora ideias profundas de interconexão e coemergência de experiências e identidades, alinhando-se com o construcionismo social e a natureza relacional da realidade. Um conceito muito interessante é o de "coemergência" - a ideia de que os fenômenos surgem mutuamente em um contexto relacional. Este conceito oferece uma nova lente para compreender os processos de autorregulação e corregulação emocional, abrindo caminho para abordagens mais holísticas no tratamento de questões psicológicas. A consciência plena (mindfulness) emerge como uma prática fundamental neste contexto, oferecendo ferramentas poderosas para navegar a complexidade de nossas experiências emocionais e relacionais. Kwee introduz a fascinante ideia do "não-eu" (anatta) no contexto da psicologia moderna. Ao desconstruir a noção de um eu fixo e imutável, esta abordagem oferece um caminho para reduzir o sofrimento psicológico. Compreender o "eu" como uma construção mental, moldada por contextos temporais e geográficos, pode liberar os indivíduos de padrões rígidos de pensamento e comportamento. Integrando estas ideias, Kwee propõe um modelo de terapia dialógica e colaborativa. Nesta abordagem, terapeuta e cliente trabalham juntos em um processo cocriativo de mudança, respeitando a natureza intersubjetiva da experiência humana. Esta metodologia se mostra particularmente eficaz no tratamento de questões existenciais e no alívio do sofrimento psicológico. O livro também explora as conexões entre práticas meditativas budistas e descobertas recentes da neurociência. Kwee examina como a meditação pode alterar a estrutura e a função cerebral, impactando diretamente nossas capacidades de auto e corregulação. Estas práticas não apenas oferecem caminhos para a redução do sofrimento, mas também abrem portas para um aumento significativo do bem-estar geral. Este livro representa uma ponte entre a sabedoria antiga do Oriente e os avanços científicos do Ocidente, oferecendo insights valiosos para profissionais da saúde mental, pesquisadores e qualquer pessoa interessada em explorar as profundezas da consciência humana e do bem-estar psicológico. Estes temas te interessam? Quais destes conceitos mais te intriga? Topa continuar a conversar sobre eles? |
Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2024
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