No livro "Transformação da Intimidade: Sexualidade, Amor e Erotismo nas Sociedades Modernas", Anthony Giddens discute as mudanças na esfera íntima das relações humanas, especialmente em relação à sexualidade, amor e erotismo, decorrentes das transformações sociais e culturais da modernidade tardia.
Giddens argumenta que, na sociedade moderna, houve uma separação da sexualidade do contexto estritamente reprodutivo, o sexo tornou-se cada vez mais relacionado a prazer, satisfação pessoal, intimidade, conexão, curiosidade, domínio, do que a ideia de filhos. Ao mesmo tempo, com as famílias se tornando menores, e a coabitação mais restrita, há uma importância crescente das relações emocionais entre o casal. As relações íntimas baseadas no amor e na emoção tornaram-se centrais, substituindo em certa medida as relações tradicionais e institucionalizadas, como o casamento arranjado ou a companhia fraterna e de toda a família estendida. Sem um julgamento de valor se é melhor ou pior, simplesmente é. A pergunta é como queremos lidar com isso? Que consequências tem para o mundo no qual vivemos fazermos uma escolha ou outra? As mudanças nas identidades sexuais e de gênero nas sociedades modernas também contribuem para transformação do que antes se dava como certo em termos de intimidade. A crescente aceitação e reconhecimento das diferentes identidades sexuais e de gênero, o desafio às normas tradicionais de masculinidade e feminilidade, o questionamento da monogamia como certa e necessária, tudo isso nos convida a revisitar nossas crenças. Como a cultura atual reforça a ideia de individualização das escolhas e práticas sexuais, as pessoas são encorajadas a buscar satisfação individual e a construir sua própria identidade sexual, longe das restrições sociais e morais do passado. Isso, certamente, nos convida a olhar para o relacionamento como algo vivo e como tal, dar importância ao gerenciamento do risco nas relações, já que um papel não as garante mais. Aumenta a consciência da necessidade de construir confiança em seus relacionamentos e lidar com a incerteza e os riscos emocionais envolvidos. Isso é libertador em certo sentido para alguns e angustiante para outros, ou para a mesma pessoa pode ser as duas coisas em diferentes momentos. De que forma as ideias de Giddens nos ajudam a olhar para os casais atuais? O que se torna cada vez mais relevante ser desenvolvido e implementado nos relacionamentos? Creio que podemos destacar:
Claro que cada relacionamento é único, e é importante adaptar essas ideias de acordo com as circunstâncias específicas e as necessidades individuais de cada casal. A comunicação aberta, a empatia e o compromisso são elementos-chave na promoção da saúde do relacionamento. O termo ghosting tem sido usado quando uma pessoa desaparece abruptamente e sem explicação de um relacionamento, como um “fantasma”. Claro que não é um comportamento novo. É um comportamento que aparece sobretudo em relacionamentos afetivos ou de amizade.
Imagine que você vem conversando ou saindo com alguém e de repente essa pessoa simplesmente desaparece sem dar qualquer explicação. Ela para de responder suas mensagens, não atende suas ligações e não dá nenhum sinal de vida. Você fica confuso, sem entender o que aconteceu e por que essa pessoa decidiu simplesmente se afastar sem aviso prévio. Para algumas pessoas o ghosting produz um impacto emocional negativo, levando a pessoa que está sendo "ignorada" a pensar que foi a responsável, que aquilo é fruto de sua inadequação, falta de atrativos ou inabilidades. A ausência de uma explicação ou de um encerramento adequado pode deixar a pessoa que foi "ghosteada" sem respostas e sem a chance de expressar seus sentimentos ou buscar algum tipo de entendimento. Muitas vezes a pessoa se sente culpada e confusa por algo que, na verdade, diz mais de quem pratica o ghosting do que de quem o recebe. É importante destacar que o ghosting não é uma prática saudável nem ética nas relações interpessoais. É uma forma de evitar uma conversa direta e/ou a responsabilidade emocional, deixando a outra pessoa no escuro e sem qualquer chance de diálogo ou resolução. Se você se encontra em uma situação em que tenha sido "ghosteado", é importante cuidar de si mesmo, buscar apoio emocional em amigos e familiares e tentar seguir em frente, mesmo sem respostas claras – mesmo porque, que clareza imagina que poderia te oferecer aquele que se faz de fantasma? A inadequação, a imaturidade, a incapacidade é de quem sumiu, não sua. Os clientes vão fazendo referência, perguntando, trazendo nomes e definições do que ouvem, leem e assistem.
Firedooring é um termo recente que surgiu no contexto dos relacionamentos e se refere a um padrão comportamental em que uma pessoa mantém controle e poder na relação, mantendo o outro indivíduo como uma opção disponível apenas quando lhe convém. É como se essa pessoa mantivesse o outro "na porta dos fundos", disponível apenas para momentos de conveniência ou interesse pessoal, enquanto não oferece um compromisso real ou reciprocidade emocional. O termo "firedooring" faz uma analogia à porta corta-fogo (fire door, em inglês), que é mantida fechada e só é aberta em caso de emergência. Da mesma forma, a pessoa que pratica o firedooring mantém o outro à margem da relação, sem oferecer um envolvimento emocional pleno ou compromisso genuíno. Esse padrão comportamental pode se manifestar de diferentes maneiras, como por exemplo:
Esse comportamento pode ser prejudicial para a pessoa que está sendo "firedoorada", causando confusão, insegurança emocional e um sentimento de desvalorização. O firedooring pode gerar um ciclo vicioso em que a pessoa que sofre com esse comportamento fica presa em uma relação desigual, buscando constantemente a aprovação e atenção do outro, enquanto tem suas necessidades e sentimentos ignorados. Colocado desta forma como apresentei (que é a forma como vem sendo tratado na literatura e pelos profissionais que lidam com relacionamentos amorosos), fica parecendo que tem uma pessoa que é o firedooring e uma que é da firedoorada, ou seja, que a característica está na pessoa. É importante salientar aqui, que não se trata de algo que alguém é, se trata de uma forma como a relação (aquela relação) foi construída e vem funcionando. Ai alguém pergunta: “a quem cabe mudar?” - Aquele que se der conta que este funcionamento não está sendo salutar. “Mas como eu mudo o outro?” – Você não muda o outro, você muda a você e mudando a você mesmo o relacionamento se transformará. “E se o outro não quiser mudar?”, a resposta a essa pergunta seria uma outra pergunta: “porque você continuaria numa relação em que o outro da relação a deseja desigual?”. O sociólogo Zygmunt Bauman faz uma análise crítica uma da sociedade contemporânea e de suas influências nos relacionamentos, criando a
metáfora “amor líquido” para descrever os padrões de relacionamentos amorosos na sociedade atual. Para ele, a contemporaneidade vem transformando as relações, incluindo a relação amorosa. Segundo ele, o amor líquido é caracterizado pela fragilidade, pela falta de compromisso duradouro e pela busca constante por novas experiências e conexões. Os relacionamentos amorosos estão sendo permeados por ideias e expectativas de fragilidade e descartabilidade, ou seja, são frequentemente vistos como descartáveis e facilmente substituíveis. As pessoas lidam com as relações como mais fluidas e passageiras, sem depositar nela compromissos de longo prazo. Tratam assim a relação e consequentemente, a sentem como frágil, como se pudessem ser a qualquer momento serem substituídas (e substituir) por outras opções mais atraentes. Como o compromisso é frágil, o individualismo se torna preponderante. O foco é colocado nas necessidades e desejos individuais. Os relacionamentos são vistos como uma forma de satisfação pessoal e autodescoberta. Isso pode levar a uma mentalidade de busca constante pela pessoa perfeita, em vez de investir em construir relações sólidas e duradouras. Se o foco está em si e não no relacionamento, as pessoas têm dificuldade em estabelecer intimidade emocional profunda e duradoura. A ideia de compromisso a longo prazo pode parecer restritiva, sufocante, limitadora. Ao mesmo tempo em que aumenta a autonomia dentro dos relacionamentos (o que pode trazer benefícios), também aumenta a sensação de insegurança e ansiedade, já que há falta de compromisso, gerando a sensação de instabilidade e inquietação emocional. As formas de se relacionar não existem fora de uma cultura situada no tempo e no espaço, ou seja, com história e geografia definidas. Se estamos em uma cultura do consumo e do descarte, as relações tendem a traduzir e refletir essa mentalidade. As pessoas são incentivadas a buscar a satisfação imediata de seus desejos e os relacionamentos são vistos como produtos a serem consumidos e descartados quando não atenderem mais às expectativas. Relacionamentos são feitos pelas pessoas que os habitam. Portanto, são construídos pelo par (ou pares, no caso de poliamor) que estão envolvidos. A pergunta que se pode fazer é: é a esse tipo de relacionamento que eu desejo me dedicar? Se não é esse, como posso construir algo diferente a partir das minhas ações? Que conversas proponho? O que de mim ofereço? |
Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Novembro 2023
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