Escrito por Cristina Ruffino Os clientes vão fazendo referência, perguntando, trazendo nomes e definições do que ouvem, leem e assistem.
Firedooring é um termo recente que surgiu no contexto dos relacionamentos e se refere a um padrão comportamental em que uma pessoa mantém controle e poder na relação, mantendo o outro indivíduo como uma opção disponível apenas quando lhe convém. É como se essa pessoa mantivesse o outro "na porta dos fundos", disponível apenas para momentos de conveniência ou interesse pessoal, enquanto não oferece um compromisso real ou reciprocidade emocional. O termo "firedooring" faz uma analogia à porta corta-fogo (fire door, em inglês), que é mantida fechada e só é aberta em caso de emergência. Da mesma forma, a pessoa que pratica o firedooring mantém o outro à margem da relação, sem oferecer um envolvimento emocional pleno ou compromisso genuíno. Esse padrão comportamental pode se manifestar de diferentes maneiras, como por exemplo:
Esse comportamento pode ser prejudicial para a pessoa que está sendo "firedoorada", causando confusão, insegurança emocional e um sentimento de desvalorização. O firedooring pode gerar um ciclo vicioso em que a pessoa que sofre com esse comportamento fica presa em uma relação desigual, buscando constantemente a aprovação e atenção do outro, enquanto tem suas necessidades e sentimentos ignorados. Colocado desta forma como apresentei (que é a forma como vem sendo tratado na literatura e pelos profissionais que lidam com relacionamentos amorosos), fica parecendo que tem uma pessoa que é o firedooring e uma que é da firedoorada, ou seja, que a característica está na pessoa. É importante salientar aqui, que não se trata de algo que alguém é, se trata de uma forma como a relação (aquela relação) foi construída e vem funcionando. Ai alguém pergunta: “a quem cabe mudar?” - Aquele que se der conta que este funcionamento não está sendo salutar. “Mas como eu mudo o outro?” – Você não muda o outro, você muda a você e mudando a você mesmo o relacionamento se transformará. “E se o outro não quiser mudar?”, a resposta a essa pergunta seria uma outra pergunta: “porque você continuaria numa relação em que o outro da relação a deseja desigual?”. Escrito por Cristina Ruffino O sociólogo Zygmunt Bauman faz uma análise crítica uma da sociedade contemporânea e de suas influências nos relacionamentos, criando a
metáfora “amor líquido” para descrever os padrões de relacionamentos amorosos na sociedade atual. Para ele, a contemporaneidade vem transformando as relações, incluindo a relação amorosa. Segundo ele, o amor líquido é caracterizado pela fragilidade, pela falta de compromisso duradouro e pela busca constante por novas experiências e conexões. Os relacionamentos amorosos estão sendo permeados por ideias e expectativas de fragilidade e descartabilidade, ou seja, são frequentemente vistos como descartáveis e facilmente substituíveis. As pessoas lidam com as relações como mais fluidas e passageiras, sem depositar nela compromissos de longo prazo. Tratam assim a relação e consequentemente, a sentem como frágil, como se pudessem ser a qualquer momento serem substituídas (e substituir) por outras opções mais atraentes. Como o compromisso é frágil, o individualismo se torna preponderante. O foco é colocado nas necessidades e desejos individuais. Os relacionamentos são vistos como uma forma de satisfação pessoal e autodescoberta. Isso pode levar a uma mentalidade de busca constante pela pessoa perfeita, em vez de investir em construir relações sólidas e duradouras. Se o foco está em si e não no relacionamento, as pessoas têm dificuldade em estabelecer intimidade emocional profunda e duradoura. A ideia de compromisso a longo prazo pode parecer restritiva, sufocante, limitadora. Ao mesmo tempo em que aumenta a autonomia dentro dos relacionamentos (o que pode trazer benefícios), também aumenta a sensação de insegurança e ansiedade, já que há falta de compromisso, gerando a sensação de instabilidade e inquietação emocional. As formas de se relacionar não existem fora de uma cultura situada no tempo e no espaço, ou seja, com história e geografia definidas. Se estamos em uma cultura do consumo e do descarte, as relações tendem a traduzir e refletir essa mentalidade. As pessoas são incentivadas a buscar a satisfação imediata de seus desejos e os relacionamentos são vistos como produtos a serem consumidos e descartados quando não atenderem mais às expectativas. Relacionamentos são feitos pelas pessoas que os habitam. Portanto, são construídos pelo par (ou pares, no caso de poliamor) que estão envolvidos. A pergunta que se pode fazer é: é a esse tipo de relacionamento que eu desejo me dedicar? Se não é esse, como posso construir algo diferente a partir das minhas ações? Que conversas proponho? O que de mim ofereço? Escrito por Cristina Ruffino No trabalho como terapeuta de casais, tenho notado que as questões trazidas por casais heterossexuais, bissexuais e transgêneros têm algumas semelhanças, mas também diferenças importantes. Entendo ser fundamental reconhecer e respeitar essas diferenças para fornecer o apoio adequado a cada casal. Vamos explorar algumas áreas-chave em que encontramos tanto similaridades quanto diferenças. 1. Comunicação e conflitos: Todos os casais, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, podem enfrentar desafios na comunicação e resolução de conflitos em seus relacionamentos. Questões como falta de comunicação efetiva, dificuldades na escuta e diferentes formas de expressar afeto podem estar presentes. 2. Se perderem em ciclos de vulnerabilidades: Independentemente do gênero ou da orientação sexual, os casais podem experimentar um ciclo de vulnerabilidade em que interações negativas e desequilíbrios emocionais se repetem. Isso ocorre quando um parceiro ativa comportamentos e emoções negativas, desencadeando uma resposta negativa do outro parceiro, criando um ciclo de negatividade e vulnerabilidade. É importante compreender e interromper esse ciclo durante a terapia de casal, buscando estabelecer padrões mais saudáveis de comunicação e resolução de conflitos. 3. Aceitação e discriminação: Casais LGBTQ+ podem enfrentar desafios adicionais relacionados à aceitação e discriminação. Casais homo, bi e transgêneros, muitas vezes na nossa sociedade, lidam com a falta de compreensão e aceitação, tanto dentro da família quanto na sociedade em geral. Eles podem enfrentar preconceito, estigma e discriminação com base em sua identidade de gênero ou orientação sexual. 4. Identidade de gênero e orientação sexual: A identidade de gênero e a orientação sexual são aspectos importantes na vida dos casais LGBTQ+. Casais bissexuais podem enfrentar desafios específicos, como a invisibilidade bissexual e a falta de compreensão por parte de outras pessoas. Já os casais transgêneros podem lidar com questões relacionadas à transição de gênero, incluindo o processo de afirmação de gênero, o suporte emocional e a adaptação às mudanças na dinâmica do relacionamento. 5. Apoio social e familiar: O apoio social e familiar pode variar entre casais com diferentes formações. Na nossa sociedade atual, casais heterossexuais geralmente têm uma estrutura social mais tradicionalmente aceita e podem enfrentar menos desafios em termos de apoio externo. Já os casais bissexuais e transgêneros podem encontrar diferentes reações familiares e sociais. Quando a rede social não provê o apoio para o casal, as necessidades, conflitos e acolhimento nas horas difíceis vai requerer do casal muito mais atenção e recursos de regulação. A terapia de casal pode ajudar a melhorar a comunicação e fornecer ferramentas para lidar com os conflitos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero. Também colabora na identificação dos padrões de negatividade que o casal pode entrar desavisadamente e ajuda a identificar formas do casal interromper o ciclo de forma produtiva. Para os casais homo, bi e trans, além do que é feito com os demais casais, também se torna fundamental identificar com os parceiros quais são os recursos que cada um usa individualmente e que eles podem usar como casal para navegar nesse contexto adversarial da nossa sociedade, fornecendo apoio emocional, ajudando a lidar com o estresse e desenvolvendo estratégias de enfrentamento. (*) A nomenclatura de gênero está em constante evolução e pode variar dependendo do contexto e da cultura. Aqui estou usando aqueles que mais comumente me chegam no consultório. Acredito que mais do que definir conceitos universais, o importante é respeitar e utilizar os termos preferidos pelas próprias pessoas envolvidas ao se referir às suas identidades de gênero, pois estes termos refletem a individualidade das experiências das pessoas, e no caso, dos casais. Escrito por Cristina Ruffino Um cliente chega me dizendo: “Dra, eu tenho Síndrome de Normose. Vou ser sempre assim?".
Vamos pensar juntos nos efeitos de receber essa denominação ou “diagnóstico”? Para isso teremos que pensar no que tem sido chamado de Síndrome de Normose. Que mal é esse? Somos constantemente bombardeados com informações e expectativas de como devemos viver, o que devemos alcançar e como devemos nos sentir. Em meio a essa pressão social, surgiu esse fenômeno que foi ganhando o nome de normose, e que se caracteriza como uma síndrome pelo excesso de conformidade e busca desenfreada pela normalidade. A normose pode ser entendida como uma busca obsessiva pela normalidade, onde indivíduos se esforçam para se enquadrar nos padrões estabelecidos pela sociedade, mesmo que isso signifique abrir mão de suas próprias necessidades e desejos. Tem sido definida como uma síndrome que se manifesta em diferentes áreas da vida, incluindo trabalho, relacionamentos, aparência física, estilo de vida, entre outros. Algumas das características de nossa sociedade atual podem ser desencadeadoras desta pressão vivenciada pelas pessoas. A comparação constante, alimentada pelas redes sociais, onde as pessoas expõem suas vidas "perfeitas". A expectativas dos “likes” e comentários como uma avaliação e aprovação dos outros, criando uma pressão para se encaixar em um molde pré-estabelecido. A mídia também desempenha um papel significativo na promoção da normose. Propagandas, programas, reality shows e aplicativos nos bombardeiam com mensagens de que devemos ter determinado corpo, roupas, carreira e relacionamentos para sermos aceitos e felizes. Essa pressão constante reforça a ideia de que qualquer desvio desses padrões é indesejável. Pode-se imaginar que a pessoa que se deixa invadir por essa pressão estará constantemente sob estresse e ansiedade, tentando atender às expectativas externas. Isso pode levar ao esgotamento emocional, problemas de sono, distúrbios alimentares e até mesmo doenças físicas relacionadas ao estresse crônico. Além disso, a normose pode levar a uma sensação de vazio e insatisfação constante. Ao se esforçar para se encaixar nos moldes impostos pela sociedade, a pessoa pode negligenciar suas próprias necessidades e desejos autênticos, levando a uma perda de identidade e propósito. Formas de se proteger e libertar da armadilha da normose nada mais são do que estratégias de manter uma atenção plena a si, incluindo: 1. Autoconhecimento: Nos conhecermos nos permite tomar decisões mais alinhadas com a nossa maneira preferível de ser e estar no mundo e nas relações. 2. Não levar a sério o que vemos nas redes sociais, manter um olhar crítico frente ao conteúdo que consumimos e, finalmente, reduzir o tempo gasto com isso. 3. Escolha as pessoas com quem deseja conversar: quem te ajuda a se sentir o melhor de si? Quem, por outro lado, te convida a querer ser/parecer/ter coisas que não estão alinhadas com seus valores mais profundos ou com suas realidades do momento? Difícil fazer estas coisas sozinho(a), busque ajuda e apoio emocional. |
Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2025
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