Se passearmos pelas publicações referentes ao tema ou pelos conselhos de “especialistas” (o que é ser especialista quando se trata de relações humanas?!!), vamos encontrar muitas sugestões e conselhos. Eu particularmente, trabalhando com casais há 2 décadas, não tenho nenhum conselho, mas tenho curiosidades: o que uniu o casal? Quais foram os valores que os aproximaram? O que cada um vislumbrava da vida a dois que em algum momento considerou que o outro tinha a oferecer? Quais foram os desafios com os quais lidaram bem? De que forma cada um deles contribuiu?
Na medida em que eu puder conhecê-los e eles se reconhecerem, construimos o caminho para ouvirmos o que foi mudando em cada um e o que mudou no relacionamento? Quem foi percebendo? De que forma percebeu? Que nome foi dando para “aquilo” que viu como mudança/ chatice/ desconexão/ prisão, ou seja lá que nome vier? Isso assustou? Surpreendeu? O que fez com essa percepção? Teve vontade de dividir com o outro? Se não o fez, sabe o que levou a não fazer? Se alguém não percebeu, soube que o outro percebia? O que fez com isso? O que ajudou o relacionamento a fazer com isso? Percebia outra coisa neste período? Como era? Com quem compartilhava? Com isso nos aproximamos da traição, que pode ou não se tornar uma tema da conversa, trazendo conosco quem somos (fomos?) ao longo da relação. Assim, não ouviremos de forma solitária, descontextualizada. As escutas se tornam diferentes? Na minha experiência, sim. Enfim, a traição pode ser uma oportunidade de explorar e revisitar os movimentos de mudanças na vida de cada um e do casal, que muitas vezes passaram despercebidos. Uma oportunidade para se reconectar consigo e com o relacionamento distinguindo se há necessidades não atendidas e quais são elas. Tanto de cada um, quanto do relacionamento. Na traição nem sempre é apenas sexo que está em jogo. Pode ser a busca de conexão, de emoção, de autonomia, de angústias indistintas. Como podemos passar a distingui-las daqui para frente? Se o casal resolver seguir juntos – e, na minha experiência, muitos decidem – então também precisaremos explorar a sexualidade e a intimidade. Precisaremos olhar juntos para as crenças e suposições antigas: o que pensavam já saber do outro e de si mesmo. Que saberes precisaremos/ desejaremos atualizar? Não é fácil conversar sobre estas coisas, mas se eles chegam na terapia e desejam seguir em frente, estaremos juntos e meu papel será ajuda-los a se ouvirem, a expressarem suas emoções, receios, mágoas e preocupações de forma sincera e respeitosa. Muitas vezes, o casal esteve junto há 10, 20, 30 anos e nunca exercitou conversas onde a comunicação autêntica e o respeito estiveram juntos – ou seja, posso dizer tudo, mas não de qualquer jeito. Como podemos olhar para isso de forma segura? Que novos acordos são necessários? Quais outras narrativas sobre o que é possível, desejável, bom na vida sexual serão possíveis? Quais narrativas contribuirão para construírem uma intimidade e conexão emocional onde caiba os dois? Isso tudo se aplica apenas a possíveis imaginárias com um casal hipotético, já que na vida real, cada casal é único e cada conversa, inédita e inacabada de uma maneira única. Os comentários estão fechados.
|
Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2024
Categorias
Tudo
|