Escrito por Cristina Ruffino, na Série Externalização #3. Tenho enfrentado, junto com alguns clientes, o desafio de minimizar o poder do Alcoolismo da vida deles e de suas famílias. A terapia narrativa tem sido a lente com a qual percebo que é possível falar com os clientes e suas famílias a partir de um lugar de maior agência e controle de si e da situação. A jornada pelo mundo do alcoolismo, quando vista através da lente da terapia narrativa e da externalização do problema, desdobra-se como uma narrativa onde o alcoolismo não é uma característica intrínseca do indivíduo, uma falha moral ou de caráter, mas sim um intruso externo com o qual a pessoa se depara. Nessa história, o alcoolismo é personificado como um antagonista astuto, um desafiador persistente que se infiltra nas rotinas, nos pensamentos e nas relações, alterando a paisagem da vida cotidiana. Para quem enfrenta esse antagonista, a luta não é apenas contra um hábito ou uma dependência, mas contra uma força externa que parece ter sua própria vontade e que impõe à vida das pessoas seus desejos. Essa personificação do alcoolismo permite uma distância crítica e psicológica do problema, ajudando a ver que o 'eu' e o 'alcoolismo' são entidades separadas. Esta abordagem oferece uma mudança de perspectiva, transformando o enfrentamento ao vício em um confronto com um inimigo externo. Nessa narrativa, cada recaída, cada tentação resistida, e cada dia de sobriedade ganha novo significado. Não são mais vistos como falhas ou sucessos pessoais, mas como eventos em um campo de batalha mais amplo. As recaídas são estratégias astutas do adversário, enquanto a resistência e a sobriedade são vitórias contra ele. Este ponto de vista ajuda a aliviar a culpa e a vergonha que muitas vezes acompanham o alcoolismo, pois o indivíduo pode se reconhecer como um lutador corajoso contra um inimigo formidável, em vez de alguém definido ou derrotado pelo problema. Nessa luta, o apoio de amigos, familiares e profissionais é como um exército aliado. Eles não estão lá para julgar ou repreender, mas para fornecer estratégias, conforto e um lembrete do mundo além do alcance do alcoolismo. Neste contexto, terapeutas atuam com as pessoas como táticos e estrategistas, ajudando a mapear o terreno, compreender as estratégias do adversário para planejar formas de enfrentamento e resistência. Além disso, a externalização do alcoolismo permite uma visão mais otimista e esperançosa. Se o alcoolismo é um inimigo externo, então há a possibilidade de vitória, de trégua, de redefinir o território da própria vida. O indivíduo pode começar a vislumbrar um futuro onde ele vive livre desse adversário, não por negar sua existência, mas por reconhecer sua separação dele. Essa jornada não é simples nem linear. É uma luta contínua, repleta de altos e baixos, avanços e recuos. No entanto, ao tratar o alcoolismo como um problema externo, cria-se um espaço para a compaixão, a resiliência e, acima de tudo, a esperança de que, apesar dos desafios e das dificuldades, o indivíduo tem a força e o apoio para reivindicar sua vida de volta das garras desse inimigo astuto.
3 Comentários
Cristiano
18/2/2024 12:09:30
Sou psicólogo, estudando a terapia narrativa e estou na gerência de um caps Ad ... Muito bom o artigo, foi como um parceiro de diálogo sobre minha prática diária.
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CRISTINA MARCIA CARON RUFFINO
22/2/2024 17:00:45
Que bom que fez sentido para o seu trabalho! Espero que tenhamos oportunidades de trocar ideias sobre isso um dia.
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Patricia Geromel Lanfredi Zilio
25/2/2024 10:19:49
Dependência química é um dos nichos de trabalho preferido, vejo a importância de trazer para a relação terapeutica com os clientes que possuem essa queixa, abordagem como essa (terapia narrativa) e a externalizacao do problema, pois quanto mais escassez de recursos para o enfrentamento da doença, o que muitas vezes acontece quando a narrativa está saturada pelo problema, menos acessam a força para lidar com o sofrimento (problema). Na minha prática, usando essa metodologia, vejo que explorar caminhos desconhecidos sobre o problema é o que ajuda a libertar- se da visão dominante sobre o problema, consequentemente outras narrativas surgem como respostas ao problema dando sustentação as novas maneiras de lidar com a dor da dependência química. Excelente contribuição Cris, gratidão! Você é uma grande parceira conversacional das práticas em psicoterapia, suas palavras me inspiram muito.
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Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2024
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