Por Cristina Ruffino. O dilema apresentado por Aldous Huxley em seu clássico "Admirável Mundo Novo", escrito em 1932, é a possibilidade de um mundo onde a felicidade é garantida, onde não há conflitos, doenças ou ansiedade, mas, o preço dessa "perfeição" é a liberdade e a individualidade, ou seja, a nossa essência humana.
Na sociedade retratada por Huxley, o controle não vem pela força, mas pela sedução do conforto e da estabilidade. As pessoas são "fabricadas" para serem felizes em suas funções pré-determinadas. A droga "soma" elimina qualquer desconforto emocional. Isso parece ser um espelho perturbador da nossa era atual. Vejamos no que isso se parece com a realidade norte americana em que um em cada cinco americanos, incluindo crianças, estão tomando algum medicamento psiquiátrico prescrito? Estas drogas certamente fornecem alívio eficaz no curto prazo, mas as consequências a longo prazo não são suficientemente discutidas – vide o documentário jornalístico “Medicando o Normal”. Perguntemo-nos: essa felicidade artificial tem valor? O que perdemos quando eliminamos toda possibilidade de sofrimento? Quantas vezes buscamos soluções rápidas para nossos problemas emocionais? Quantas vezes nos perdemos em distrações digitais para evitar enfrentar nossos próprios pensamentos? Estamos, de certa forma, criando nossa própria versão do "soma"? Huxley nos provoca questionando: o que realmente significa ser livre? Será que a liberdade não está justamente na possibilidade de errar, de sofrer, de questionar? Em um mundo onde tudo é controlado e previsível, o que resta da aventura de Ser humano? Pensando na minha própria vida… as experiências que mais me fizeram crescer não foram as mais prazerosas. Muitas delas envolveram desafios, dúvidas, angústia e dor. Se eu pudesse eliminar todos esses momentos difíceis, seria realmente o que sou? No "admirável" mundo de Huxley, consumir não é apenas um hábito, é um dever moral. As pessoas são condicionadas a sempre buscar o novo, a nunca se satisfazer com o que têm. Soa familiar para você? A sociedade de Huxley usa a tecnologia para controlar todos os aspectos da vida humana, desde a genética até as emoções. Hoje, agora, também vivemos em um mundo cada vez mais mediado pela tecnologia. Ela nos conecta, nos informa, nos entretém, molda nossa rotina, nossas relações, nossos pensamentos. Em última análise, "Admirável Mundo Novo" nos convida a refletir sobre o que significa ser autenticamente humano. Em um mundo que constantemente nos empurra para a conformidade, como podemos preservar nossa individualidade? Como equilibrar o desejo por conforto e estabilidade com a necessidade de crescimento e autenticidade? Estas não são perguntas fáceis, mas são essenciais. À medida que nossa sociedade avança tecnologicamente, torna-se cada vez mais crucial que nos perguntemos: que tipo de mundo estamos construindo? Que aspectos da nossa humanidade são inegociáveis, mesmo diante da promessa de uma vida sem conflitos? Qual a responsabilidade de cada um de nós frente a isso? "Admirável Mundo Novo" não é apenas uma obra de ficção científica. É um convite para olharmos criticamente para nossas escolhas, nossas sociedades e nosso futuro. É muito mais do que uma crítica ao totalitarismo ou uma previsão tecnológica. É um alerta atemporal e um convite à reflexão sobre o que nos torna verdadeiramente humanos e sobre os perigos de uma sociedade que, ao evitar todo tipo de conflito e sofrimento, também elimina a profundidade da experiência humana.
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Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2024
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