Por Cristina Ruffino. No livro “New Horizons in Buddhist Psychology” publicado pelo TAOS Institute, James Austin assina o capítulo “Meditating Selflessly”(meditando altruisticamente), onde articula uma visão integrada que conecta as práticas meditativas tradicionais do budismo com as descobertas contemporâneas da neurociência. O autor discute como a meditação tem a capacidade de desconstruir a noção do "eu", que geralmente é entendido como uma entidade fixa, separada e individual. Essa desconstrução não significa uma aniquilação, mas sim uma alteração na maneira como percebemos nossa identidade. Durante a meditação profunda, a sensação de um "eu" sólido começa a se desfazer, dando lugar a uma experiência de fluidez entre o sujeito e o ambiente.
Na tradição budista, o conceito de anatta (não-eu) é central. Austin explora como, na meditação, os praticantes começam a perceber que o "eu" é construído por pensamentos, memórias e experiências que estão constantemente mudando. A prática meditativa, ao acalmar a mente, permite uma visão direta de que o "eu" é impermanente e interdependente com o mundo ao redor. No exercício da meditação, gradualmente ocorre uma mudança na percepção. O foco da atenção pode se expandir além dos limites do corpo e da mente individuais, permitindo que o meditador se sinta mais conectado com o todo, em vez de confinado a uma identidade limitada e separada. James Austin utiliza a neurociência para explorar como a meditação pode alterar de forma duradoura o cérebro, um fenômeno conhecido como neuroplasticidade. Ele discute como a prática contínua de mindfulness pode modificar as conexões sinápticas no cérebro, promovendo mudanças nas áreas associadas à atenção, compaixão e autorregulação emocional. Estudos mostram que, com a prática regular, áreas do cérebro relacionadas à atenção e à regulação emocional, como o córtex pré-frontal, se tornam mais ativas e mais espessas. Isso pode levar a uma maior capacidade de concentração e uma redução na reatividade emocional. Há, ainda, uma diminuição da atividade no que é chamado de "eu narrativo", ou seja, a constante atividade mental que cria e sustenta a sensação de um "eu" ao contar histórias sobre si mesmo. O "eu experiencial", que está mais ligado à percepção direta e ao momento presente, passa a se destacar. Um dos efeitos do mindfulness é que “desliga” ou reduz a atividade da chamada Rede de Modo Padrão, que é a rede cerebral que está ativa quando não realizamos uma atividade específica. Quando esta rede está ativa, ela produz ruminação, os pensamentos autorreferenciais, e as preocupações com o passado e o futuro. A prática meditativa, ao trazer o foco para o presente, reduz essa ativação, resultando em menos pensamentos autocentrados e em mais presença no momento. Também contribui para experiências de "não dualidade", nas quais a pessoa percebe uma dissolução das fronteiras entre o eu e o ambiente. Levando a uma sensação de paz interior e um enfraquecimento do sentimento de separação entre o "eu" e o mundo exterior. Austin sugere que essas experiências podem estar ligadas a mudanças temporárias nas redes neurais que normalmente sustentam o senso de identidade. Ao meditar profundamente, os praticantes podem experienciar a desconstrução do "eu" e mudanças significativas na plasticidade cerebral. Qual sua experiência com mindfulness? O que já experimentou nesta prática?
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Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2025
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