Por Cristina Ruffino. John Shotter sempre me provoca e desafia. Admito que talvez ainda não o tenha compreendido em toda sua profundidade. Mas, ainda assim, usufruo de cada instante de leitura e uso na vida, no trabalho, no meu autoconhecimento.
Para esse autor, a comunicação transcende a mera troca de informações, enraizando-se profundamente em nossa existência corpórea, emocional e prática. Nossos corpos não são meros veículos de comunicação, mas elementos constitutivos da própria interação. A linguagem e o sentido emergem não apenas das palavras, mas de um engajamento corporal holístico: gestos e expressões faciais; tom de voz e prosódia; postura e movimentos corporais; contato visual e proximidade física A relação dialógica ocorre em um espaço intersubjetivo onde os corpos dos participantes se encontram. Este encontro vai além do cognitivo ou linguístico, criando uma experiência profundamente corporal e situada. Como uma dança, a construção de entendimentos, envolve uma sensibilidade e “escuta” mútua de corpos. Shotter enfatiza a importância de uma sensibilidade aguçada aos sinais corporais e emocionais dos outros. Esta "escuta" atenta de si e do outro é fundamental para: compreensão mútua, construção conjunta de significado e, sobretudo, a criação de "momentos de encontro" As respostas corporais dos interlocutores são parte integral do processo de coconstrução de significado. Reações não verbais, como expressões faciais, movimentos e ritmo da fala, contribuem significativamente para o diálogo. Para além das palavras, elementos paralinguísticos desempenham um papel crucial na comunicação, envolvendo as pausas e silêncios, o ritmo respiratório e o tom de voz. Estes elementos indicam emoções, intenções e o nível de envolvimento na conversa, facilitando a fluidez do diálogo e a construção conjunta de compreensões. Shotter introduz a noção de "conhecimento de dentro" (knowing from within), uma forma de compreensão que emerge da participação direta em práticas sociais e conversacionais. A prosódia, neste contexto, é vista como um fenômeno relacional entre os participantes e parte do “backgraund” que dá sentido às nossas interações, além de ser um elemento fundamental da "responsividade" nas interações Quando leio as ideias de Shotter, destaca-se para mim (em mim) a primazia da afetação nas relações. Primeiro nos afetamos mutuamente a partir de sinais não conscientes (não discerníveis e identificáveis), depois, buscamos explicações cognitivas para estas afetações. Frequentemente, nossas respostas "cognitivas" são tentativas de racionalizar o que não se originou na lógica, mas na experiência corporal e emocional. A compreensão destes aspectos da comunicação tem implicações significativas para diversos campos como terapia, educação, comunicação organizacional. Enfatiza-se a importância de estar atento não apenas ao conteúdo verbal, mas também à forma como é expresso. A visão de Shotter sobre a corporeidade na relação dialógica nos convida a reconsiderar fundamentalmente nossa compreensão da comunicação humana. Reconhecendo o papel central do corpo e dos elementos não verbais, podemos desenvolver interações mais ricas, autênticas e significativas em todos os aspectos de nossas vidas.
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Cristina RuffinoSou Pedagoga (Unicamp), Mestre em Psicologia (Unicamp), doutora em Psicologia pela USP-RP. Arquivos
Dezembro 2024
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